A Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE)
aprovou nesta terça-feira (19) projeto de lei que reconhece o caráter
educacional e formativo da capoeira e autoriza escolas públicas e privadas da
educação básica a celebrarem parcerias com entidades que congreguem mestres e
profissionais de capoeira para ensinar a seus alunos essa prática esportiva e
cultural.
Ainda segundo o PLS 17/2014, de autoria do ex-senador Gim
Argelo, que integrou a bancada do Distrito Federal na legislatura passada, o
ensino de capoeira deve ser integrado à proposta pedagógica.
O projeto foi aprovado em decisão terminativa e
agora seguirá para exame na Câmara dos Deputados. Porém, poderá ser examinado
pelo Plenário do Senado, caso seja apresentado recurso com essa finalidade.
Modificações
O relator da proposta, senador Otto Alencar
(PSD-BA), conseguiu apoio para introduzir duas alterações no texto, a primeira
para a troca do termo “ensino fundamental e ensino médio” para “educação
básica”, ampliando a possibilidade de oferta de aulas de capoeira inclusive
para crianças do ensino infantil.
A outra modificação tirou a subordinação dos
mestres e profissionais contratados para o ensino da capoeira ao professor de
Educação Física. De acordo com Otto Alencar, a subordinação iria limitar as
possibilidades de aproveitamento da cultura da capoeira no âmbito escolar.
Lembrou que diversas escolas têm utilizado, por exemplo, os recursos didáticos
fornecidos pela capoeira em atividades nas áreas de música, de artes cênicas e,
até mesmo, na educação ambiental.
Assim, entende o senador, deve ficar a critério da
escola, no contexto de seu plano pedagógico, definir como se dará a inserção do
profissional de capoeira em sua programação didático-pedagógica.
Riqueza pedagógica
Otto Alencar lembrou que, desde a década de
1970, há iniciativas sistemáticas relacionadas ao emprego da capoeira como
ferramenta pedagógica nos diversos níveis de ensino. Observou que a modalidade
possui um potencial reconhecido, por conta de sua riqueza em termos de
movimento corporal, musicalidade e socialização.
Entre os senadores que festejaram a aprovação do
projeto, Lídice da Mata (PSB-BA) disse que o projeto reforça a importância de
manifestação que valoriza a herança cultural afrobrasileira, apoiada na
transmissão ancestral de práticas, a partir dos mestres aos aprendizes.
Celebração
A aprovação da matéria acabou se transformando numa
celebração à força da manifestação cultural da capoeira, desenvolvida por
escravos africanos que viviam na Bahia e hoje praticada em todos os estados do
país e em muitos países. Otto Alencar, que praticou capoeira na juventude,
tendo sido aluno do célebre Mestre Bimba, ofereceu um berimbau ao presidente da
CE, senado Romário (PSB-RJ). Antes da entrega, executou alguns toques no
instrumento musical, um dos que servem para marcar as evoluções da capoeira. Os
colegas aplaudiram.
Otto Alencar também contou que o Mestre Bimba, já
idoso, dizia que a pior escravidão enfrentada pelo negro era a falta de acesso
à educação, pois assim não conseguia de fato se igualar aos brancos. Também
relatou curiosidades sobre a capoeira, inclusive sobre a origem do nome.
Segundo ele, muitas vezes negros submetidos a maus tratos aplicavam golpes de
rasteira nos feitores e depois fugiam para áreas de um tipo de mato baixo comum
no Recôncavo Baiano.
— Dizia-se que esse negro era um ‘capoeira’, em
razão da fuga para o matagal — explicou.
Disfarce
A filósofa e educadora Heidi Strecker lembrou que a
capoeira chegou ao Brasil junto com os escravos africanos e em terras
brasileiras foi adaptada para o que é hoje. Tratava-se de uma maneira de os
negros mostrarem resistência, mas, para não levantar suspeitas, cantos e
movimentos foram incorporados. Assim, ficou mais parecida com uma dança.
A capoeira foi proibida pelo Código Penal de 1890 e
os praticantes foram perseguidos pela polícia, o que perdurou até 1937. Depois,
a prática passou a ser estruturada em duas escolas: a Capoeira Angola e a
Capoeira Regional.
“Nós, brasileiros, orgulhamo-nos de ser o povo
criador da capoeira, arte hoje presente em praticamente todos os países do
mundo. Entretanto, há muito a fazer para difundi-la, com qualidade e orientação
pedagógica, em nosso próprio país”, argumenta o ex-senador Gim na justificativa
do projeto.
Nos últimos anos a capoeira recebeu duas
importantes distinções como manifestação cultural: o registro como Patrimônio
Cultural Imaterial do Brasil, por iniciativa do Instituto do Patrimônio
Histórico e Cultural (Iphan), em 2008, e o reconhecimento da roda de capoeira
como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2014.
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