quinta-feira, 24 de março de 2011

Capoeira: Esporte Olímpico?


A capoeira como sabemos, não pode ser interpretada de forma simplista e reducionista. Dentre as suas várias possibilidades, ela pode ser caracterizada como jogo, luta, brincadeira, dança, arte, cultura, filosofia, educação. Alguns a consideram também como esporte. A riqueza de referências contidas na capoeira, permite essa diversidade de interpretações.
Gostaria de tecer aqui, algumas considerações sobre a caracterização da capoeira como esporte. Antes de mais nada, é preciso também esclarecer que o fenômeno “esporte” também possui vários sentidos e possibilidades de interpretação. O esporte tanto pode ser visto como atividade voltada para o lazer, visando a busca pela saúde e a educação das pessoas, o desenvolvimento da cooperação e da sociabilidade daqueles que o praticam, como também pode ser visto como uma prática altamente competitiva, excludente, discriminatória (pois só os mais fortes e habilidosos tem vez) em busca da vitória “a qualquer custo”, ou seja, mais um produto dessa nossa cruel sociedade capitalista.
Pois é, aqueles que defendem a capoeira como esporte, têm que deixar claro a que tipo de concepção de esporte estão se referindo. Se for a uma concepção de esporte que busque a integração, o prazer, a inclusão, a socialização das pessoas, aí então posso concordar com essa visão. Mas do contrário, sou muito crítico àquela visão que associa a capoeira ao esporte competitivo, onde campeonatos são organizados para se eleger o melhor, o mais forte, o mais habilidoso, o mais acrobático, onde juízes e regras vão transformando a alegria e espontaneidade de um jogo de capoeira, num clima tenso e pesado onde é travada uma batalha feroz e muitas vezes violenta.
Mestre Bimba e Alunos na Década de 30 um dos percursores da capoeira dentro do contexto da academiaA capoeira não pode ser reduzida a isso !  Gosto de ver um jogo de capoeira onde as pessoas sorriem e se divertem jogando. Onde há espaço para uma brincadeira marota, uma dissimulação, uma mandinga, uma “gaiatice” como se diz aqui na Bahia. Me pergunto como isso seria julgado por um juiz num desses campeonatos ? Quantos pontos valeria uma mandinga ou uma gaiatice de um capoeira malandro ? Por que um jogo de capoeira tem que ter um perdedor e um ganhador ?  Quem vai estabelecer os critérios do que é bom e o que é ruim num jogo de capoeira, para se definir a pontuação ?  É possível alguém definir isso em se tratando de uma prática tão complexa, rica e diversa como a capoeira ???
Nessa direção, muito me preocupa um certo movimento de querer transformar a capoeira em esporte olímpico. Aí seria, na minha opinião, a sentença de morte para a capoeira enquanto livre expressão do povo brasileiro. A capoeira tem beleza e valor, justamente por possuir essa diversidade, essa espontaneidade, essa alegria. No momento em que enclausurarmos a capoeira dentro de regras internacionais rígidas e competitivas – pois é isso que se exige de um esporte olímpico – a capoeira estará sendo destituída de seus elementos mais ricos, mais belos, estará perdendo a sua alma !!! Se o saudoso Mestre Pastinha por aqui estivesse, certamente iria bradar contra isso.
Certo dia desses, fui convidado a um evento de capoeira onde, entre outras atividades, houve um campeonato. Fiquei observando de longe as reações, o clima de tensão, os semblantes fechados, as adversidades e as animosidades que aquilo tudo produzia nas pessoas que participavam do tal campeonato. Mas tive certeza mesmo dos malefícios que aquilo trazia, quando presenciei o choro inconsolável de uma menina de 10 anos, que perdera a final para uma outra menina um pouco mais velha. O jogo bonito que ela apresentou não lhe serviu de nada. A garota mais velha, para os juízes, foi mais “agressiva”. A medalha foi para ela !!!
É nisso que queremos que a nossa capoeira se transforme?

quarta-feira, 16 de março de 2011

CRÔNICA: A Postura Política do Capoeira

Todo capoeirista que preza a história dessa manifestação, sabe que a capoeira tem um conteúdo político muito forte. Afinal ela surge como uma reação a uma violência a que eram submetidos os povos escravizados vindos de África, aqui no brasil. A capoeira é antes de mais nada, uma contestação ao sistema escravagista que submetia milhões de homens e mulheres a uma cruel e desumana condição onde não só os trabalhos forçados, mas também a negação de sua cultura, sua religião, seus símbolos, seus modos de vida, era em última instância, a negação de sua própria condição de seres humanos.
Por isso a capoeira foi tão perseguida durante tantos anos. E por isso também foi preciso resistir durante muito tempo para que essa manifestação chegasse até os nossos dias, com o reconhecimento que adquiriu em nossa sociedade atual, com status de “símbolo da cultura brasileira”. Devemos isso aos bravos capoeiras do passado que souberam com suas artimanhas e estratégias, enfrentar o poder para continuar cultivando suas tradições e preservando-as com muita dignidade para as gerações futuras. Isso se constitui numa postura extremamente política.
Hoje a capoeira é muito bem vista pelas sociedades de todas as partes do mundo, e muitos são os capoeiristas que sobrevivem dessa arte. Em muitas partes do planeta, essa manifestação virou até um certo “modismo”, mobilizando milhões e milhões de praticantes de todas as faixas etárias, mas sobretudo, atingindo o público predominantemente jovem. E por ter se transformado em “modismo”, muitas vezes esse conteúdo político que está na gênese da capoeira, acaba perdendo espaço e sentido, fazendo com que ela se transforme em mera atividade voltada ao entretenimento e ao cultivo das qualidades físicas e acrobáticas. Se a prática da capoeira se restringe a esses valores, vamos estar formando somente capoeiras alienados, e nada mais !!!

Sabemos que a capoeira é muito mais do que isso !!!
Nosso Encontro Berlin 2009 -Em destaque:  Mestre Bailarino, Prof. Papilon e Pedro Abib - Foto Luciano MilaniO capoeirista que tem postura política é aquele que busca estar sempre “antenado” com o mundo que o rodeia. É aquele que busca desenvolver sua capacidade crítica diante dos fatos que atingem a sociedade da qual faz parte, assumindo uma postura de questionamento e muitas vezes até de enfrentamento, quando necessário. É aquele que não se conforma com as injustiças, com os desmandos dos poderosos, com qualquer tipo de opressão. É aquele que busca sempre se envolver nas questões sociais que o afligem, demonstrando determinação em agir no sentido da transformação dessa realidade. Se envolve em debates e busca sempre ampliar seu conhecimento sobre a situação de sua comunidade, sua cidade, seu país, de sua gente.
Os mestres e professores comprometidos com essa visão crítica que a capoeira pode proporcionar aos seus praticantes, devem estar o tempo todo estimulando isso nos seus grupos, quer seja promovendo debates sobre questões sociais, históricas, étnicas, ecológicas, de gênero, etc…quer seja participando de ações diretamente envolvidas com essas questões ao lado de seus alunos em manifestações públicas, passeatas, mobilizações, ou ainda em articulação com outros movimentos sociais, pois a capoeira é também um movimento social. E tem um potencial de ser tornar um movimento muito forte e atuante, pois agrega milhões de pessoas no mundo todo.
Talvez não tenhamos ainda uma noção muito clara sobre o poder político e de mobilização social que a capoeira possui. Por isso, se os grupos começarem a incentivar a formação política dos capoeiras (como felizmente já vem fazendo muitos grupos por aí), no sentido de atuação para a transformação da realidade que atinge nossas sociedades, com certeza a contribuição da capoeira será ainda maior no sentido de  transformar esse mundo, num mundo mais humano, justo e solidário !!!